No Público de hoje (link para subscritores), mais uma reflexão sobre a responsabilidade dos media na cobertura da actual campanha presidencial. No texto que, pelo seu interesse, reproduzimos na íntegra nesta página, a autora, Estrela Serrano, avança uma descrição da forma como geralmente são analisadas as notícias difundidas pelos órgãos de comunicação social sobre cada um dos candidatos, ensaiando no entanto a refutação da ferramenta de análise - o cronómetro - negando o que apelida como a "objectividade" do cronómetro. Pelo contrário, o foco da análise deve dirigir-se ao enquadramento noticioso, o "framing". "O enquadramento funciona como a primeira dimensão do acto de mostrar e serve de âncora a todas as outras dimensões. Enquadrar é uma maneira de chamar a atenção para certos aspectos de um assunto, enquanto se minimiza a atenção relativamente a outros", explica a autora, analisando em seguida o que pode acontecer quando os media, os jornalistas e repórteres de imagem, destacam (enquadram a apresentação da informação pelo lado das) acusações de um candidato em relação ao outro.
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A campanha presidencial nos media
Por Estrela Serrano*
Os media, especialmente a televisão, tornaram-se o palco por excelência em que decorre a campanha para as eleições presidenciais. A pré-campanha confirmou a crescente mediatização das campanhas eleitorais, visível no papel do marketing e dos conselheiros de comunicação na organização dos programas dos candidatos, nos seus materiais de campanha e nas suas estratégias discursivas.
Por outro lado, o desenvolvimento dos processos de monitorização dos media por parte de empresas especializadas, sobretudo a publicação regular do número e duração das notícias nos canais generalistas de televisão, introduziram no discurso dos candidatos a crítica à cobertura mediática da campanha. A "vigilância" exercida pelos staffs das candidaturas abrange imagens televisivas, textos e fotografias publicadas nos jornais.
A leitura e interpretação dos dados estatísticos disponibilizados por essas empresas é geralmente feita em termos simplistas, isto é, considera-se que quanto mais notícias os media publicarem sobre um candidato e quanto maior for a sua duração, melhor e mais favorável é a cobertura e mais beneficiado é esse candidato. Uma maior visibilidade é, assim, associada a um benefício concedido pelos media.
Ora, os dados em que, aparentemente, se baseiam essas críticas não autorizam essa leitura. De facto, a "objectividade" do cronómetro que mede as aparições de cada candidato tende a esvaziar a dimensão contextual das notícias, elemento essencial na análise das peças jornalísticas. A valorização de um candidato não resulta, apenas, da sua visibilidade, mas sim da confluência de vários indicadores para além da extensão da cobertura, entre os quais o enquadramento e o tom conferidos às peças ou a saliência dada à voz do candidato, por oposição à voz do jornalista.
Aliás, um dos elementos mais subtis na análise da cobertura de uma campanha reside nos enquadramentos conferidos às peças jornalísticas. O enquadramento funciona como a primeira dimensão do acto de mostrar e serve de âncora a todas as outras dimensões. Enquadrar é uma maneira de chamar a atenção para certos aspectos de um assunto, enquanto se minimiza a atenção relativamente a outros. O enquadramento "acusação" e "ataque", conferido a títulos e textos de apresentação de peças relativas a alguns dos candidatos nesta eleição, condiciona a recepção dessas peças e prepara o telespectador e o leitor para encarar a campanha como um palco de ataques e acusações entre candidatos, imprimindo um tom "negativo" às peças relativas aos autores dos "ataques" e das "acusações" (que surgem geralmente nas imagens em poses pouco serenas), ao mesmo tempo que vitimiza os "acusados".
As peças jornalísticas, especialmente as televisivas, apresentadas sob esse enquadramento possuem um efeito boomerang, isto é, a visibilidade conferida aos "acusadores" está longe de os valorizar. Os "beneficiados" são, quase sempre, os "acusados", a quem, neste caso, a "invisibilidade" favorece.
Por seu turno, o tom das peças jornalísticas depende quer do candidato quer do jornalista que faz o relato da campanha e, no caso da televisão, do apresentador que introduz a peça. Uma palavra ou um trejeito são portadores de um significado mais ou menos forte.
Aliás, no que respeita à televisão, acontece que o significado das imagens escapa quer aos candidatos quer aos próprios jornalistas. De facto, o jornal televisivo é um universo onde os discursos se acumulam, se anulam e se apagam. Mostrar não constitui aí um acto informativo, mas um ritual. O que fica é a carga afectiva que uma determinada imagem comporta e transmite, que varia de pessoa para pessoa. O detalhe que alguns não percepcionam torna-se significativo para outros. O espectro da imagem estende-se das sensações visuais elementares às significações intelectuais, percorrendo, simultaneamente, o registo fantasista. As imagens televisivas oferecem-se à pluralidade de interpretações, não sendo o seu efeito determinado pelo cronómetro.
*Assessora de imprensa de Mário Soares entre 1986 e 1996. Defendeu tese de mestrado sobre Comunicação Presidencial e prepara doutoramento sobre o mesmo tema